sexta-feira, 22 de junho de 2012

Dona Verde

Na infância, ouvi uma amiga de minha Vó dizer que o neto dela tinha um amigo invisível e ela achava que era porque ele era muito sozinho, não tinha com quem brincar. Então eu inventei Mariazinha, minha amiga invisível, e claro, inexistente. Inexistente porque nem eu acreditava nela... Um dia eu disse que ela estava na escada da casa de minha Vó, sentada bem onde minha amiga Brenda queria sentar, eu disse:
“-Não! Aí não. É o lugar de Mariazinha.”
Ela disse: “- Onde? “
E eu disse: “- Não sei”. Eu não sabia onde ela estava. Eu olhava pra escada e do meu lado e eu não a via. Nunca a vi depois do dia que a inventei...

Hoje eu estou tão sozinha. As pessoas todas se vão e eu não as encontro em esquina alguma, será possível que todas eu inventei?

domingo, 8 de abril de 2012

Alegoria de buracos

Na tarde escura de dentro do quarto fechado, Mariana conversa com a luz na janela:

-Silêncio! É preciso ouvir a alma. Silêncio! Eu preciso ouvir as mãos paradas na esquina do meu peito, onde há um lugar cheio de silêncios.

Do outro lado da janela, Dominique observa a tela que está a pintar:

Há um abismo em mim cheio de silêncios, silêncios que guardei a vida toda: um verdadeiro mar de monstros que guardo comigo. Vejo-os até no reflexo do escuro, vejo-os caminhando à sombra do desejo. Silêncios inteiros, inimaginavelmente completos, complexos, e mais! Silêncios em tamanhos variados, com gostos peixe-cru ao molho de rúcula e chá de milho verde, numa escala de cores que vai do amarelo jambo ao roxo-goiaba passando pelo azul-túmulo e o rosa-amanhecer.

Mariana para Dominique: Eu silencio, e de repente, ouço o silêncio me tocar… suave, tenro, altivo. Silêncio. A alma de repente acalma e faz silêncio, como a brisa de outono que já não é verão.

Dominique para Mariana: Então chora, mas em Silêncio.

A janela é aberta num rompante que só ali era possível, uma vez que ali o silêncio não se instalara e, para além das expectativas, começa a gritar: Corre! Corre! Corre! Escorre alma, por onde puder passar. Atravesse os pêlos, poros, pele, passa pelos meus peitos, escorre! Corre! Corre! Sai correndo sem medo de escorregar!

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Deixe-se-ir

Preocupar-se com outro, significa que a preocupação é você.
É ter certeza de que, o que quer que aconteça não será com você,
mas irá lhe tocar bem perto, na pele.
É olhar para além do umbigo e no fim,
dar-se conta de que não arredou nem meio metro.
Preocupar-se com outro é beirar a loucura, é chegar perto do medo maior de todos:
o encontro consigo mesmo, eco de imagem que não reflete sem distorção.
Preocupar-se com outro é encontrar a cegueira diante dos olhos de outro
e por isso não enxergar quão profundo é a distância que separa o centro de cada corpo.
Despreocupar-se com outro é confiar, na esperança de que em algum momento
tudo continuará sendo.


Rondó do Capitão

Miragem do porto
o último por do sol -o que é bonito.
Vida de viajante
vida bandida
vira lata.
Mar deserto.
Próxima parada, extravios: se puder sem medos, sem mandamentos.
Todo mundo é lobo por dentro. Eu e mim.
Quase nada amor, versos perdidos...
Um ontem que não existe mais.

Acontece que eu sou baiano à francesa.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Não importa nem isso que estou escrevendo

Dois Meninos de cabelo oxigenado chupando tangerina sentados no chão. Não mais que 9 anos cada um.
Dois jovens com dois filhos dividindo o mesmo carrinho de bebê encardido pelo tempo, pelo uso, ou pelo vento. A Jovem Mãe carrega o menino menor nos braços enquanto se distrai com um brinquedo infantil (ainda não sei se ela brincava com o filho ou para si...).
A fila na Estação não está tão grande, e com exceção de uma criança que foi para frente à pedido da mãe, hoje, curiosamente, ninguém furou a fila.
Enquanto todos subiam em busca de seus lugares no ônibus, um homem paraplégico (Talvez. Não sei identificar o que ele tem) reclamava com o cobrador dizendo que queria subir, que este o carregasse se o elevador de cadeirantes estava com defeito.
Alguns minutos atrás eu estava pensando no que minha mãe me disse mais cedo, que eu não tenho feito teatro atuando, só produzindo(...)que tenho que ter foco e coisa e tal. De fato faz algum tempo que abri mão de estar no palco. Na estação, enquanto estava na fila e até então só via Dois Meninos de cabelo oxigenado chupando tangerina sentados no chão, roupas sujas e rasgadas, recostados no balcão de informações chupando tangerina e jogando as cascas para todos os lados, mirando em quem passasse, jogando o mais longe possível, eu pensava no mundo que já acabou e me convencia a arranjar um amigo comprometido com a "arte-educação", interessado em fazer um trabalho de teatro a sério; pensei sobre o que eu iria falar.
Não quero falar de amor, nem de sexo; fazer piadas no palco só para prender o público, "esse público". Queria ensinar alguma coisa,dar alguma perspectiva de destino possível...mas seria muito teórico e Eles não cairiam nessa de que se estudarem e trabalharem duro vão ser alguém na vida. A quem estou enganando? Ainda há muito o que mudar.
Quero dizer para as Prostitutas que vendam seus corpos se quiserem ganhar dinheiro, mas não pensem que será fácil. Quero falar aos ladrões que aprendam a roubar direito, que roubem e se revoltem contra a macroestrutura por trás disso. Quero explicar para todo mundo que essa realidade é só uma ilusão.
Não importa a dor, não importa o medo,não importa a raiva, nem mesmo o sofrimento nas torturas que vem por aí: é tudo sangue, é tudo vida.
Como vou dizer pra essas Crianças não matarem se já nasceram mortas? Como vou dizer que não morri?
"-Meu Deus do céu!" Foi a única coisa que alguém foi capaz de dizer quando os Dois Jovens desceram do ônibus com suas Crianças. Me pergunto se ninguém informou àquela Senhora que Deus morreu. Agora só somos nós, fazer o que? Sorrir e dançar.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Peixaros

Ela deitou-se ao sol de meio dia embaixo de uma mangueira e descansou o corpo no chão. Sua pele e o calor que choveu de seus braços, do interior de suas coxas e do externo do seu peito lhe fizeram lembrar que, cá fora, não chovia. Katiúscia não queria saber de mais ninguém, só do menino que tocou sua buceta por cima da calcinha.

Insaciável Katiúscia queria beber água, bebeu o mundo da noite para o dia. Toda aquela água comprimindo sua bexiga lhe deu vontade de mijar. Olhou para cima de sua cabeça, e a mangueira lhe vigiava. Ela teve medo, medo, medo, muito medo de levantar a saia ali, de abaixar a calcinha, abrir as pernas e deixar escorrer para o mundo o que tinha de podre, de resto, de sujo. E a mangueira lhe vigiava, Katiúscia pensou que talvez houvesse algo errado, posto que a mangueira estava lá, estática e ainda assim lhe vigiava.

Um galho cedeu para o lado, deu dois balancinhos e no terceiro puxou Katíuscia pelos pés e lhe pôs pendurada de cabeça para baixo e só então ela sentiu que algo dentro dela se mexia. Era estranho perceber que existia coisas dentro do seu corpo, e coisas que ela jamais vira e que só sentira neste exato momento porque o galho, aquele que a puxou, estava balançando e quanto mais movimentos fazia mais coisas Katiúscia sentia que havia dentro de si. Tentou distrair-se e pensar noutra coisa e eis que um peixe voou até ela e piou. O galho deu mais uma sacudida e a largou dentro da lagoa que surgiu com o peixe no céu. Toda aquela água que havia dentro dela queria dançar com a água do lado de fora, e as coisas flutuavam no corpo de Katiúscia que nadoava entre os peixes e pássaros.

A mangueira, esta não perdia a atenção dada a menina...

Mas Katiúscia já havia se perdido naquela delícia de água que invadia tudo, que entrava pelos seus poros e saia pela sua saia, e voltava, e entrava pelos seus olhos, e saia pela sua boca, e inundava tudo, preenchia seus vazios, seus espaços, seus sargaços e iluminava tudo quanto era espaço refletindo a luz. A luz! Sim! De onde vinha aquela luz? Era tão forte, e tão clara. Mas de onde? De onde poderia vir Deus meu ?

Davi. Davi era o amor de sua vida. Katiúscia se pudesse prenderia Davi numa gaiola e lhe diria exatamente o que comer, quando comer, com quem cruzar. Com ela ora! Com quem mais? Davi seria seu passarinho... Ela enfeitaria um ninho todo de penas e plumas para seu amor e viveria feliz naquele espaçiola. Davi desaparecera desde seus 4 anos, quando o relógio da sala começou a rodar estranho, ele não ia devagar como de costume, ele começou a girar, e a rodar rodar rodar rodava pro lado errado ele não ia mais da direita para esquerda ele ia e voltava, o que é isso? Porque o relógio está rodando diferente minha vó? E o relógio rodopiava pela sala quando encontrou uma janela aberta e saiu voando. Rapidamente Katíuscia subiu na cadeira e viu pela greta da janela: Davi, sumindo ao longe.

-Eu ando sentindo coisas estranhas; quando tomo banho e vou me secar... Vó, porque eu não posso falar? É quente sim. Eu estou doente? Sim, sai coisas de lá. Vó, eu estou sangrando vó, lá embaixo. Vó eu não quero morrer. Vó? Vó! Vó?! Volta aqui vó, não morri ainda!

Minha vó me olhou com uma tristeza imensa...! Ela disse que era por causa do ovo. Eu não sei do que ela está falando, mas ela diz que eu tenho um ovo e que isso é a maior tristeza que se pode ter.

Pai? Onde está você? Pai? Aonde todos estão indo? Porque de repente somem? O que há com vocês? Hein? Pântano? Peixinho me conta, você veio do pântano? É lá onde vocês vivem?

Tenho que falar do mijo de novo. Do sol de mijo que se estendeu na minha cama. É isso não é? Eu sei que é por isso que vocês vão embora.

-Perdão! Perdão! Eu vou me limpar, eu juro que vou tomar banho e ficar limpinha, vou me lavar até do avesso, juro que vou!

Tudo cheirava mal, tudo tinha um gosto amargamente salgado e visgozo. O meu pântano era assim, e quando eu vejo a mangueira crescendo e crescendo e crescendo, eu temo que um dia ela resolva entrar de novo no meu pântano, porque ele ainda é assim. Mas olha, eu estou ouvindo você, sim, eu sou uma mocinha. É que agora... o meu pântano agora está no verão, e isso significa que tudo está crescendo, então eu fico pensando que se a mangueira agora resolver entrar no meu pântano talvez ela dê mangas para uma outra história nascida na lama cuja pena pode ser um bigode ou uma parte da vulva descoberta que agora os meus peitos caindo e caindo . O que sei é que no dia em que a mangueira adentrar o pântano e ele sangrar, terei a certeza de que minha Vó irá queimar em paz, porque o ovo gorou.

Eu que penso ser Katíuscia sinto um vento vindo por cima da copa das árvores, a lua está brincando com suas faces reflexo n'água: clara-gosma-gema-ova galada, a lagoa me vomita de novo ao chão desprendendo-me os pés do galho e a luz, a luz do sol é amarelo, é macio, é fresco, é gala,e é minha. É a minha alma.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Sobre a morte, e seu trabalho lento.

A insônia chega até mim pelo trem da desordem que invade minha mente neste fim de dia. Eu não consigo dormir e mal o ar entra pela minha boca, já que meu nariz está fechado, correspondendo ao pedido desesperado de fim.
Ter 20 anos. O que eu queria mesmo era parar de dizer: "pois é, o tempo passou rápido" e começar a gritar para todos ouvirem: "Passa tempo, passa, vai passa logo por mim. Vai logo seu descarado, não sabe correr não é?". Queria dormir agora e acordar com 50 anos, certa de que a vida tem fim.Certa de que o mundo não acabou, contrariando todas as sabedorias maias, incas e o diabo a 4, 5 a 6. Vejo as pessoas de mais idade, e percebo no olhar a falta que a vida fez, as lembranças como únicas fontes do que um dia foi talvez "vida".
Eu tenho escrito coisas burras pra caralho. Falo palavrão mais do que digo bom dia às pessoas que amo. E acima de tudo tenho medo. Um medo que é muito maior do que minha sombra, seja qual for o foco da luz. As pessoas que conheço com mais de 30 anos se já não fazem o que gostam, desistiram de tentar, desistiram não, me equivoquei, elas mudaram os planos, buscaram algo mais próximo da realidade...Mas eu não tenho direito de mudar. Porque eu, no ápice da minha segunda década de vida tenho obrigação de saber não só o que eu quero da vida [inteira], como também COMO vou fazer isso funcionar e claro, tem que ser antes dos 30, ganhando o dobro dos que tiverem mais de 40. Isso faz muito sentido para mim.
Outra coisa que faz muito sentido é minha vontade de falar merda de madrugada. É quando já chorei muito do que tinha para chorar, já espeneei na solidão, já me forcei a lembrar os porques de não poder me matar...E hoje cheguei à belíssima conclusão de que quero envelhecer logo.
Quero dormir e acordar com pelo menos 80 anos. Já criei todos os filhos que tiver para criar,já chorei a morte de alguns, já terei vivido mais do que muitos terão esperado que eu vivesse, se eu morrer pode ser que alguém vá ao meu enterro,e se ninguém for provavelmente eu já terei morrido, então não fará diferença alguma. E quando digo que provavelmente já terei morrido é porque cogito a possibilidade de estar morta agora. Não sei se é uma morte que se aproxima, mas há algo de muito estranho, e muito claro para mim sendo mudado. É assustador pra mim também.
Eu quero dormir e acordar com 45 anos, terei um emprego estável, ganhando o suficiente para não passar fome [espero], e assim vou poder dizer: esse mundo não é como antes, as crianças não brincam mais de power rangers, ninguém mais pensa em salvar o mundo, agora todo mundo quer ser bandido, virou moda. Poderei cantar para quem quiser ouvir que estou ficando velha, e resmungar meio mundo de coisas que hoje quando digo parece bobeira, coisa de menina amarela criada com vó no primeiro andar com grade na janela e comida na boquinha, que não tem contas a pagar nem nada mais com o que se preocupar. COMO NÃO???! Pelo amor de Deus! Eu nem sei por onde começar.
Mas só para concluir esse texto [ que por sinal está uma merda e é digno de impublicação, mas que será exposto só para que haja algum registro caso eu tenho um 8º sentido e de fato algo estranho esteja acontecendo ou prestes a acontecer]:
Eu quero dormir, acordar com 20 anos e ter coragem de viver.