sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Peixaros

Ela deitou-se ao sol de meio dia embaixo de uma mangueira e descansou o corpo no chão. Sua pele e o calor que choveu de seus braços, do interior de suas coxas e do externo do seu peito lhe fizeram lembrar que, cá fora, não chovia. Katiúscia não queria saber de mais ninguém, só do menino que tocou sua buceta por cima da calcinha.

Insaciável Katiúscia queria beber água, bebeu o mundo da noite para o dia. Toda aquela água comprimindo sua bexiga lhe deu vontade de mijar. Olhou para cima de sua cabeça, e a mangueira lhe vigiava. Ela teve medo, medo, medo, muito medo de levantar a saia ali, de abaixar a calcinha, abrir as pernas e deixar escorrer para o mundo o que tinha de podre, de resto, de sujo. E a mangueira lhe vigiava, Katiúscia pensou que talvez houvesse algo errado, posto que a mangueira estava lá, estática e ainda assim lhe vigiava.

Um galho cedeu para o lado, deu dois balancinhos e no terceiro puxou Katíuscia pelos pés e lhe pôs pendurada de cabeça para baixo e só então ela sentiu que algo dentro dela se mexia. Era estranho perceber que existia coisas dentro do seu corpo, e coisas que ela jamais vira e que só sentira neste exato momento porque o galho, aquele que a puxou, estava balançando e quanto mais movimentos fazia mais coisas Katiúscia sentia que havia dentro de si. Tentou distrair-se e pensar noutra coisa e eis que um peixe voou até ela e piou. O galho deu mais uma sacudida e a largou dentro da lagoa que surgiu com o peixe no céu. Toda aquela água que havia dentro dela queria dançar com a água do lado de fora, e as coisas flutuavam no corpo de Katiúscia que nadoava entre os peixes e pássaros.

A mangueira, esta não perdia a atenção dada a menina...

Mas Katiúscia já havia se perdido naquela delícia de água que invadia tudo, que entrava pelos seus poros e saia pela sua saia, e voltava, e entrava pelos seus olhos, e saia pela sua boca, e inundava tudo, preenchia seus vazios, seus espaços, seus sargaços e iluminava tudo quanto era espaço refletindo a luz. A luz! Sim! De onde vinha aquela luz? Era tão forte, e tão clara. Mas de onde? De onde poderia vir Deus meu ?

Davi. Davi era o amor de sua vida. Katiúscia se pudesse prenderia Davi numa gaiola e lhe diria exatamente o que comer, quando comer, com quem cruzar. Com ela ora! Com quem mais? Davi seria seu passarinho... Ela enfeitaria um ninho todo de penas e plumas para seu amor e viveria feliz naquele espaçiola. Davi desaparecera desde seus 4 anos, quando o relógio da sala começou a rodar estranho, ele não ia devagar como de costume, ele começou a girar, e a rodar rodar rodar rodava pro lado errado ele não ia mais da direita para esquerda ele ia e voltava, o que é isso? Porque o relógio está rodando diferente minha vó? E o relógio rodopiava pela sala quando encontrou uma janela aberta e saiu voando. Rapidamente Katíuscia subiu na cadeira e viu pela greta da janela: Davi, sumindo ao longe.

-Eu ando sentindo coisas estranhas; quando tomo banho e vou me secar... Vó, porque eu não posso falar? É quente sim. Eu estou doente? Sim, sai coisas de lá. Vó, eu estou sangrando vó, lá embaixo. Vó eu não quero morrer. Vó? Vó! Vó?! Volta aqui vó, não morri ainda!

Minha vó me olhou com uma tristeza imensa...! Ela disse que era por causa do ovo. Eu não sei do que ela está falando, mas ela diz que eu tenho um ovo e que isso é a maior tristeza que se pode ter.

Pai? Onde está você? Pai? Aonde todos estão indo? Porque de repente somem? O que há com vocês? Hein? Pântano? Peixinho me conta, você veio do pântano? É lá onde vocês vivem?

Tenho que falar do mijo de novo. Do sol de mijo que se estendeu na minha cama. É isso não é? Eu sei que é por isso que vocês vão embora.

-Perdão! Perdão! Eu vou me limpar, eu juro que vou tomar banho e ficar limpinha, vou me lavar até do avesso, juro que vou!

Tudo cheirava mal, tudo tinha um gosto amargamente salgado e visgozo. O meu pântano era assim, e quando eu vejo a mangueira crescendo e crescendo e crescendo, eu temo que um dia ela resolva entrar de novo no meu pântano, porque ele ainda é assim. Mas olha, eu estou ouvindo você, sim, eu sou uma mocinha. É que agora... o meu pântano agora está no verão, e isso significa que tudo está crescendo, então eu fico pensando que se a mangueira agora resolver entrar no meu pântano talvez ela dê mangas para uma outra história nascida na lama cuja pena pode ser um bigode ou uma parte da vulva descoberta que agora os meus peitos caindo e caindo . O que sei é que no dia em que a mangueira adentrar o pântano e ele sangrar, terei a certeza de que minha Vó irá queimar em paz, porque o ovo gorou.

Eu que penso ser Katíuscia sinto um vento vindo por cima da copa das árvores, a lua está brincando com suas faces reflexo n'água: clara-gosma-gema-ova galada, a lagoa me vomita de novo ao chão desprendendo-me os pés do galho e a luz, a luz do sol é amarelo, é macio, é fresco, é gala,e é minha. É a minha alma.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Sobre a morte, e seu trabalho lento.

A insônia chega até mim pelo trem da desordem que invade minha mente neste fim de dia. Eu não consigo dormir e mal o ar entra pela minha boca, já que meu nariz está fechado, correspondendo ao pedido desesperado de fim.
Ter 20 anos. O que eu queria mesmo era parar de dizer: "pois é, o tempo passou rápido" e começar a gritar para todos ouvirem: "Passa tempo, passa, vai passa logo por mim. Vai logo seu descarado, não sabe correr não é?". Queria dormir agora e acordar com 50 anos, certa de que a vida tem fim.Certa de que o mundo não acabou, contrariando todas as sabedorias maias, incas e o diabo a 4, 5 a 6. Vejo as pessoas de mais idade, e percebo no olhar a falta que a vida fez, as lembranças como únicas fontes do que um dia foi talvez "vida".
Eu tenho escrito coisas burras pra caralho. Falo palavrão mais do que digo bom dia às pessoas que amo. E acima de tudo tenho medo. Um medo que é muito maior do que minha sombra, seja qual for o foco da luz. As pessoas que conheço com mais de 30 anos se já não fazem o que gostam, desistiram de tentar, desistiram não, me equivoquei, elas mudaram os planos, buscaram algo mais próximo da realidade...Mas eu não tenho direito de mudar. Porque eu, no ápice da minha segunda década de vida tenho obrigação de saber não só o que eu quero da vida [inteira], como também COMO vou fazer isso funcionar e claro, tem que ser antes dos 30, ganhando o dobro dos que tiverem mais de 40. Isso faz muito sentido para mim.
Outra coisa que faz muito sentido é minha vontade de falar merda de madrugada. É quando já chorei muito do que tinha para chorar, já espeneei na solidão, já me forcei a lembrar os porques de não poder me matar...E hoje cheguei à belíssima conclusão de que quero envelhecer logo.
Quero dormir e acordar com pelo menos 80 anos. Já criei todos os filhos que tiver para criar,já chorei a morte de alguns, já terei vivido mais do que muitos terão esperado que eu vivesse, se eu morrer pode ser que alguém vá ao meu enterro,e se ninguém for provavelmente eu já terei morrido, então não fará diferença alguma. E quando digo que provavelmente já terei morrido é porque cogito a possibilidade de estar morta agora. Não sei se é uma morte que se aproxima, mas há algo de muito estranho, e muito claro para mim sendo mudado. É assustador pra mim também.
Eu quero dormir e acordar com 45 anos, terei um emprego estável, ganhando o suficiente para não passar fome [espero], e assim vou poder dizer: esse mundo não é como antes, as crianças não brincam mais de power rangers, ninguém mais pensa em salvar o mundo, agora todo mundo quer ser bandido, virou moda. Poderei cantar para quem quiser ouvir que estou ficando velha, e resmungar meio mundo de coisas que hoje quando digo parece bobeira, coisa de menina amarela criada com vó no primeiro andar com grade na janela e comida na boquinha, que não tem contas a pagar nem nada mais com o que se preocupar. COMO NÃO???! Pelo amor de Deus! Eu nem sei por onde começar.
Mas só para concluir esse texto [ que por sinal está uma merda e é digno de impublicação, mas que será exposto só para que haja algum registro caso eu tenho um 8º sentido e de fato algo estranho esteja acontecendo ou prestes a acontecer]:
Eu quero dormir, acordar com 20 anos e ter coragem de viver.