domingo, 8 de abril de 2012

Alegoria de buracos

Na tarde escura de dentro do quarto fechado, Mariana conversa com a luz na janela:

-Silêncio! É preciso ouvir a alma. Silêncio! Eu preciso ouvir as mãos paradas na esquina do meu peito, onde há um lugar cheio de silêncios.

Do outro lado da janela, Dominique observa a tela que está a pintar:

Há um abismo em mim cheio de silêncios, silêncios que guardei a vida toda: um verdadeiro mar de monstros que guardo comigo. Vejo-os até no reflexo do escuro, vejo-os caminhando à sombra do desejo. Silêncios inteiros, inimaginavelmente completos, complexos, e mais! Silêncios em tamanhos variados, com gostos peixe-cru ao molho de rúcula e chá de milho verde, numa escala de cores que vai do amarelo jambo ao roxo-goiaba passando pelo azul-túmulo e o rosa-amanhecer.

Mariana para Dominique: Eu silencio, e de repente, ouço o silêncio me tocar… suave, tenro, altivo. Silêncio. A alma de repente acalma e faz silêncio, como a brisa de outono que já não é verão.

Dominique para Mariana: Então chora, mas em Silêncio.

A janela é aberta num rompante que só ali era possível, uma vez que ali o silêncio não se instalara e, para além das expectativas, começa a gritar: Corre! Corre! Corre! Escorre alma, por onde puder passar. Atravesse os pêlos, poros, pele, passa pelos meus peitos, escorre! Corre! Corre! Sai correndo sem medo de escorregar!